ATO DE NASCER: ESPERANÇA NA NOVA HUMANIDADE
Nascer não é apenas chegar ao mundo. É chegar com alguém e para alguém. Usualmente, o ato de nascer se reveste da participação da mãe, do pai e da equipe de assistência. Mas o protagonismo desse acontecimento caberá à dupla mamãe e bebezinho que chega.
Em um sistema social que corre contra o tempo, busca agilidade e praticidade em tudo que manifesta, a forma como estamos recebendo os humanos que chegam vibra neste mesmo padrão.

Diante dos protocolos hospitalares e dos valores que predominam na inconsciência coletiva, o nascimento se tornou um evento mecanicista e insensível, que cumpre agendas, nega a naturalidade, evita a dor e distorce a beleza do acontecimento mais visceral e instintivo que podemos experienciar enquanto mulheres e homens. A humanização do ato de nascer deve ser resgatada e se transformou num grande movimento, composto por pessoas de diversas áreas. Mulheres, mães, profissionais, políticos, se envolveram para construir esse movimento a partir de relatos de partos muito agressivos e violentos. Dentre essas pessoas que se dedicam à militância por um jeito mais humano de nascer, destacamos Francielle Silvano Cardozo Lemos, ativista pela Humanização do Parto, Mestre em Gestão de Políticas Públicas, Doula desde 2014. Ela declara:
“Eu realmente acredito, com todas as forças do meu ser que é possível, sim, uma transformação desse mundo que a gente vive a partir do momento do nascimento e eu presencio isso nas famílias que eu acompanho.”

Existem alguns países que saíram dos partos domiciliares de parteira, por tradição oral, que era a situação das gerações anteriores à atual, nossas avós, e, agora, estão indo para o hospital e entrando em contato com a violência obstétrica. Enquanto nossas avós, já há algumas décadas atrás, tiveram seus últimos partos em hospitais, as nossas mães pariram em hospitais, neste modelo tecnocrático, cientificista, mecanicista, que foi baseado no conhecimento das universidades, a qual era prioritariamente habitada por homens, no princípio. Hoje, encontramos um número maior de mulheres nas universidades, nos cursos de medicina e na ginecologia. Mas, por muito tempo, era de homens e de cirurgiões, cujo foco eram emergências, salvar, complicações, portanto, um olhar para doenças, para o patológico. E o parto, enquanto um evento fisiológico e cultural, não se encaixa nesse padrão patológico. No momento que ele chega ao hospital, o excesso de intervenções, o excesso de tentativas de ajudar que ele seja mais rápido, mais prático, mais organizado, dentro de um método, acaba prejudicando o desenrolar do parto.
Assim, o movimento pelo parto humanizado surge a partir do relato de muitos partos traumáticos e do aumento de mortalidade infantil e materna nos partos. Por que?
Quanto mais se intervém num parto vaginal, quanto mais se intervém nesse evento que é natural, mais complicações ele apresenta. Quanto mais cirurgias desnecessárias são feitas, mais aumenta a mortalidade, tanto materna quanto neonatal.

Então, hoje, com as complicações de parto, aumentou muito o número de cesarianas, a pedido de mulheres querendo fugir de partos violentos. As cesarianas são orientadas por médicos que também se encontram traumatizados por acompanharem partos complicados. Chegamos, assim, a um recorde de cesarianas, sendo que o Brasil é o segundo país com o maior número de cesarianas do mundo. Sabemos, sim, que a cirurgia cesariana pode salvar vidas, mas que se ela for feita além do que é necessário, ao contrário de salvar, ela começa a aumentar a mortalidade materna e causa muita internação de bebês em UTI, por desconforto respiratório, quando ela é agendada, quando não se espera o início do trabalho de parto. Então o movimento de humanização vem trazer estudos científicos sobre parto e vem trazer os sentimentos das mulheres em relação a essa vivência, para transformar, para trazer de volta uma experiência positiva das vivências de parto.
O movimento de humanização é baseado num tripé que é: a evidência científica para a realização de procedimentos, o respeito ao protagonismo da mulher, que ela tenha a oportunidade de mostrar seus desejos, suas necessidades, suas vontades durante o trabalho de parto e o trabalho em equipe multidisciplinar.

Esse trabalho multidisciplinar também engloba questões emocionais e espirituais da mulher. Isso tudo faz parte da sua cultura, isso tudo vai interferir no seu parto. O parto humanizado se baseia em evidência científica, respeito ao protagonismo da mulher e contempla seus múltiplos aspectos durante a cena de parto.
O parto humanizado pode suceder em ambiente domiciliar ou hospitalar, desde que a mulher seja bem acolhida, bem amparada e que ela tenha acesso a recursos que aliviem sua dor, principalmente recursos não farmacológicos, como água, um banho de chuveiro, não necessariamente a banheira. O respeito ao protagonismo não é engessado com técnicas que tem que ser usadas, tais como baixa luminosidade, música na sala de parto.
Estes são ítens que podem facilitar o desenrolar do trabalho, mas não necessariamente são obrigatórios num parto humanizado, que tanto pode ter rock, quanto pode ser em silêncio. Muitas mulheres optam pelo silêncio. Pode ser com música religiosa ou música clássica.
Quando o trabalho de parto é desencadeado, ocorre, dentro dos alvéolos, a produção de sufactante pulmonar, um tipo um detergentezinho para que, quando o ar entre, o alvéolo não se feche, não colabe. Quando o sulfactante é produzido, ele é liberado na corrente sanguínea da mãe e esse fio, essa ligação química, vai lá para o cérebro, ao hipotálamo materno desencadear o trabalho de parto, liberando ocitocina, o hormônio natural do amor, para fazer a contração do útero desencadear o trabalho de parto.
É fundamental que o bebê dê esse sinal de que está pronto para nascer, de que a mulher receba a produção, porque mesmo a ocitocina, que está relacionada ao amor e ao apego, contrai o útero, é essa ocitocina que vai fazer com que as contrações possam ir devagarinho empurrando o bebezinho através do corpo materno que precisa estar relaxado para que o bebê consiga fazer sua passagem e chegar para o lado de cá.
E aí é aquela enxurrada de emoções, aquela explosão de amor que contagia todos que estão presentes, não só o pai e a mãe.

É impossível não ser banhado de ocitocina quando presenciamos um parto amoroso, gentil, um nascimento assim de pura luz. É impossível não se transformar.
E é por isso que o nascimento natural é reverenciado como a esperança na nova humanidade. Ao banhar de ocitocina o momento mais importante do ser humano, potencializa a adesão desse ser ao amor, emoção que, afetando mais e mais seres humanos, pode nos conduzir a um novo tempo: tempo de respeito, de coalizão, de compartilhar, de ser com os outros, enfim, a esperança da Nova Terra.
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